30 vozes que lutaram para mudar a indústria da comunicação em 2021

Papel & Caneta
13 min readDec 14, 2021

Em um mercado que adora falar sobre mudança, a pergunta que surge é: quem de fato está criando algo para mudar? Esta lista, portanto, não é feita com base em prêmios e nem post no Linkedin. Ela também não é criada para alimentar o vício de competir, apontando quem é melhor, mais expoente ou mais brilhante.

Esta lista é diferente. Ela é feita para unir e celebrar pessoas incríveis que talvez você ainda não conheça e admire, mas que deram vida a iniciativas e projetos independentes ao longo do ano para fazer uma transformação real e coletiva — seja driblando a rotina exaustiva entre freelas e agência por uma causa, largando tudo para recomeçar a carreira ou apenas acreditando que é possível transformar, mesmo quando acreditar nisso parece impossível.

Por isso, se você chegou até aqui e não consegue lembrar de projetos de mudança que marcaram 2021, essa lista é um lembrete para você. Se você pensa que o ato de mudar a indústria só pode ser feito por grandes estruturas, essa lista também é para você. E se você quer se inspirar para fazer algo por conta própria, essa lista com certeza vai ajudar você.

Conheça abaixo 30 vozes que, juntas, servem de confirmação de que a mudança na comunicação está acontecendo de diferentes maneiras e, o mais importante, de que ela não vai parar.

Pedro Bonn mora no Rio de Janeiro, é empresário da dupla YOÙN e fundador da AUR, um grupo de mídia focado em comunicar cultura e experiências negras na música e no entretenimento. Com mais de 22 mil seguidores no Instagram, este ano a plataforma fez cerca de 50 lives entrevistando artistas negros e fazendo curadoria de playlists com novas vozes que estão surgindo, mas ainda estão fora do radar.

Em Novembro, Pedro também lançou a segunda edição do POSS (Proteja os seus sonhos), convocando 18 artistas para criar nove músicas (Spotify) e nove videoclipes (Youtube), além de podcasts para cada faixa e um documentário com todo o processo criativo. Para expressar a potência da nova geração, todo o projeto levou 4 meses para ficar pronto e contou com a participação de vozes como Luedji Luna, Afroito, Zezé Motta, Tiee e Hiran.

Yago Freitas é da zona oeste do Rio e Stella Gafo é da zona Leste de São Paulo. Depois de quatro meses pensando em como ajudar futuros talentos que não tem condições de pagar cursos caros e faculdades elitizadas, eles decidiram apresentar uma ideia dentro da agência AKQA que logo deu origem ao SOMA — programa gratuito de aprendizado e mentoria que foi lançado em Março para uma turma de 17 alunos.

Com seis aulas guiadas por profissionais expoentes, a primeira edição foi voltada para as áreas de atendimento e produção. Hoje, o SOMA já está em sua terceira turma e mais de 80 pessoas participaram da iniciativa. Para 2022, o objetivo é de que cerca de 1000 alunos sejam formados com três novidades: uma plataforma EAD, um banco de talentos para dar visibilidade e vagas de estágio de 1 ano remunerado.

Gabriela de Paula e Camila Tuon são artistas visuais e fundadoras do selo CeGê, uma forma que elas encontraram de criar filmes, videoclipes, fotografia ou publicidade com liberdade para montar times dando sempre prioridade a pessoas negras, independente de ter uma formação acadêmica. Para elas, o que vale é a pessoa se enxergar num lugar onde sempre sonhou ou nunca se viu.

Ao longo do ano, elas filmaram os videoclipes Baby 95 da cantora Liniker e Shonda Demais de Tássia Reis, dois trabalhos que as tornaram finalistas no MVF 2021 e indicadas à Melhor Direção de Videoclipe no WME Awards 2021. Mais recentemente, elas dirigiram o visual da campanha Telas Pretas, um novo projeto da Vivo. Tudo isso ao lado de profissionais que, até então, nunca tinham entrado em um set de filmagem antes.

Leo Ribeiro e Yudi Nakaoka são planejadores e fundadores do Crias do Plan, um programa de apadrinhamento profissional que oferece, de forma gratuita, suporte técnico e emocional para que jovens negros, periféricos e LGBTQIA+ se sintam capazes de trabalhar em qualquer departamento de planejamento ou estratégia: seja em agência, empresa ou consultoria.

Atualmente na 2º edição e ajudando um grupo de 13 pessoas através de aulas, conselhos profissionais e um trabalho final que convida outros profissionais a conhecer suas habilidades, o Crias do Plan tem feito acompanhamentos individuais reunindo padrinhos e madrinhas e contando com o apoio de cinco estrategistas: Giovanni Cozer, Isabella Marchese, Mayara Pinheiro, Sophie Soares e Thiago Jorge.

Paula Sousa é redatora, mãe do Pedro e, após pedir demissão de uma agência por não tolerar a falta de acolhimento, em Julho ela resolveu conectar um grupo de profissionais que são mães e dar vida ao Mãellennials.

Desde então, a iniciativa vem discutindo parentalidade e maternidade no mercado por meio de rodas de conversas com multinacionais, lançou site, recrutou líderes expoentes para um programa de mentoria gratuito, fechou uma parceria com a maior rede de saúde mental da América Latina e mapeou um grupo de recrutadoras para montar um speed dating virtual e dar match entre mães e vagas disponíveis.

Cansadas de ver os povos da floresta sendo documentados por diretores de filmes e produtoras do eixo Rio-São Paulo, Priscila Tapajowara e Lívia Kumaruaura se uniram para conduzir na região do Baixo Tapajós o Nató, um coletivo para formação de jovens indígenas, mas que também atua como uma produtora audiovisual e que, este ano, criou uma websérie dividida em 4 episódios chamada Ãgawaraitá.

Contando a história de indígenas e ribeirinhos da Amazônia sobre suas vivências com os seres encantados que são os protetores da floresta, a produção reuniu uma equipe de 35 pessoas, entre indígenas e ribeirinhos da região de Santarém no Pará, indígenas de outros Estados e LGBTQIA+. Com gravações na aldeia do Muruari, Karanã e na comunidade de Carariaca, o lançamento oficial será em fevereiro de 2022, após circular por alguns festivais e depois de algumas exibições nas aldeias da região.

Depois de analisar as contratações anunciadas no Clube de Criação durante seis meses, o redator Zé Celso Oliveira e o diretor criativo Victor Emeka lançaram a The Hiretone Palette, uma paleta de cores para representar os tons de pele de profissionais contratados pelo mercado publicitário.

Feita com base no Skintone, do Pantone, e paletas de outras cores, o projeto visual estabeleceu os 12 tons de pele mais recorrentes para representar cada profissional. A partir disso, Victor e Zé Celso retrataram cada contratação, mês a mês. Todo o resultado foi publicado no site oficial do projeto e comprova em cores a falta de diversidade nos processos de recrutamento em todo o setor nos anos de 2020 e 2021.

Juliana Petermann é professora da Universidade Federal de Santa Maria no Rio Grande do Sul e também idealizadora do 50/50, programa que ela criou em 2017 para unir professoras e alunas de graduação e pós-graduação como forma de debater sobre equidade de gênero na publicidade através de rodas de conversas, oficinas e palestras.

A novidade é que, este ano, o projeto se expandiu para mais duas universidades (Unipampa e UFRGS), bem como ganhou uma versão online com palestras e seis encontros que reuniram mais de 150 alunas de 15 universidades espalhadas pelo Brasil. Em 2022, a meta é alcançar mais instituições e lançar um livro compartilhando metodologias, dicas e descobertas com outras professoras. Para Juliana, para mudar o mercado é preciso mudar o ensino.

Renan Damascena e Thamara Pinheiro trabalham em agência durante o dia, mas também lideram a AUÊ, um hub criativo de impacto e inteligência cultural que começou a ganhar corpo com um plano de negócio em 2020 e, apenas em Março deste ano, foi lançado oficialmente.

Apesar do pouco tempo, eles já acumulam trabalhos de curadoria para Facebook, Clube de Criação, Wunderman Thompson, além de terem planejado a comunicação criativa para a Feira Preta, o maior festival de cultura preta da América Latina. Uma das suas principais entregas é o Radar Preto, um produto em que eles mapeiam semanalmente assuntos relacionados à raça e periferias do Brasil na música, bem estar, entretenimento e inovação para potencializar pessoas, lugares e pautas que ainda continuam à margem da comunicação.

Alan Costa mora em Salvador e é fundador do AfroBapho, coletivo de 17 jovens negros LGBTIA+ que atuam como produtores culturais, atores, dançarines, cantores e drag performers. Como forma de dar visibilidade a criadores negros LGBTIA+ baianos da cena cultural e artística, em Agosto foi criado o AFROBAPHO Lab com uma websérie, rodas de diálogos, imersões artísticas e pocket shows durante 3 dias.

Além de tudo isso, a iniciativa fez um mapeamento de 120 artistas independentes negros e LGBTIA+ do Nordeste para servir de fonte de conteúdo para marcas e projetos futuros. Em um mercado que ainda dá mais ênfase a produções e vozes do Sudeste, o AfroBapho surge como uma potência coletiva que, este ano, foi reconhecida em uma campanha global para Ballantine’s e DAZED e já soma mais de 56 mil seguidores no Instagram.

Depois de meses pensando em como encorajar marcas e anunciantes a contratar criadores de conteúdo negros para além da fala sócio-racial, Julio Beltrão lançou em Janeiro a iniciativa ‘Wakanda is Here’ dentro da agência de marketing de influência Mynd. Funcionando como um núcleo que impulsiona a negritude na publicidade, o projeto busca não só aumentar o número de criadores negros no mercado, mas também capacitar e impulsionar sua relevância em números e segmentos de atuação.

Em poucos meses, a iniciativa já se tornou o terceiro maior faturamento da agência dentre os demais grupos ao unir um time com mais de 40 nomes, que inclui vozes como Camilla de Lucas, Gil do Vigor, Alê Garcia, Luana Xavier, Yuri Marçal, Babu Santana, João Luiz, Thelminha e Tia Má.

Nay Mendl, Rosa Caldeira e Well Amorim são da periferia de São Paulo e os fundadores da Maloka Filmes, produtora audiovisual que além de trabalhar com direção criativa, faz curadoria e coordenação de festivais reunindo saberes pretos, transviados e periféricos — sempre trazendo amigos, familiares e agentes da comunidade para dentro das criações e gravações.

Somando mais de 30 prêmios e mais de 130 exibições pelo mundo com seu primeiro curta-metragem ficcional, Perifericu, este ano a Maloka produziu dois videoclipes para as Irmãs de Pau, um longa-metragem afrotranstópico com co-produção internacional, uma websérie documental com mais 4 coletivos periféricos sobre o impacto da pandemia nas quebradas, além de um festival de cinema comunitário TLGB+ na quebrada, com previsão para fevereiro de 2022, que contará com 5 dias de programação virtual e presencial itinerante pela zona sul de São Paulo para democratizar o acesso à cultura TLGB+ para as periferias.

Flora de Carvalho e Dominique Kronemberger são designers, se conheceram trabalhando juntas no Rio de Janeiro e hoje são sócias do estúdio Passeio. Ao perceber que a bibliografia do design em português é ainda muito restrita, em Março elas lançaram a Revista Recorteum site, um perfil no Instagram e uma revista anual com textos críticos e acessíveis sobre design, em português e relevantes ao contexto brasileiro.

Resultado de um esforço colaborativo que inclui editores convidados, autores, ilustradores dos textos e apoiadores, a Recorte é uma plataforma de conteúdo gratuito com textos que já estão sendo usados em sala de aula e que incentivam discussões práticas sobre a profissão e temas importantes como autoria, remuneração e relações de trabalho.

Em março, Felipe Silva deixou a carreira de redator em agência para comandar a sua própria com um time formado apenas de profissionais negros, a Gana. Em poucos meses, a agência assinou campanhas para marcas como Kuat, Facebook e Netflix, lançou o podcast Mano a Mano de Mano Brown e já reúne mais de 20 profissionais fixos e 80 colaboradores. De todo o país.

Em paralelo a isso, Felipe também seguiu conduzindo o seu projeto pessoal, a Escola RUA, que tem a missão de ajudar — de forma gratuita — estudantes negros, periféricos e LGBTQIAP+ a entrar no mercado. Ao longo deste ano, mais de 120 jovens participaram de cinco turmas que foram criadas com o apoio das agências: CP+B, Mutato, Mirum e Media Monks.

Luana Protazio, Mariana Moraes e Pryscila Galvão se conheceram no movimento hip hop quando ainda estavam na faculdade e hoje comandam o RPretas, coletivo de relações públicas que nasceu em Bauru, mas que este ano mapeou e estabeleceu conexões com profissionais negros da área de RP por todo o país e expandiu sua atuação para além de São Paulo, chegando até Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais.

Com a meta de se tornar uma agência de relações públicas em 2022, o RPretas surge para ajudar na construção de narrativas positivas feitas por e para o público negro através de assessoria de imprensa, curadoria de influência para marcas e workshops de capacitação. Entre seus trabalhos estão artistas como Ashira e MC Taya, e marcas de diferentes segmentos como Maria Tangerina, Perifa no Toque e Sempre Livre.

Em Abril, após a queda do PL504 na Assembléia Legislativa de São Paulo, Felipe Simi, Edu Zanelato, Ariel Nobre e Bárbara Lima se uniram, a partir da provocação do Grupo de Afinidade Vale (da Mutato), para convocar profissionais do mercado, pensar em maneiras para barrar o avanço do projeto e também levar a pauta para a área de RH e demais áreas de outras agências. Dois meses depois de conversas e alinhamentos, mais de 15 agências se comprometeram em adotar melhores práticas (treinamentos, sensibilizações e metas) e, a partir disso, surgiu o Observatório da Diversidade na Propaganda no final de Junho.

Hoje, o Observatório é uma entidade setorial sem fins lucrativos e que, a exemplo de outras entidades focadas na autorregulamentação do mercado como Conar, busca unir as principais empresas da indústria para avançar mais rapidamente a pauta de diversidade & inclusão — não só na pauta LGBTQIAP+, mas em todas as interseccionalidades.

O Papel & Caneta existe para reunir profissionais de diferentes agências, produtoras e espaços criativos do mundo para que mais e mais pessoas possam aprender umas com as outras e construir um futuro com mais generosidade nessa indústria ainda tão movida por ego e competição.

Por isso, antes dessa lista ser divulgada, todas as pessoas foram convidadas para se conhecer e compartilhar suas histórias, transformando o que até então seria apenas uma lista em um espaço de troca, afeto e união. Obrigado especial à FLAGCX por ser parte disso.

Fotos do encontro no STATE por Helena Yoshioka

O Papel & Caneta atua como coletivo, ou seja, tudo só acontece por causa da ajuda e da união de várias pessoas. Por isso, enquanto o filme de lançamento foi dirigido e feito por Kazuya Masunouchi, a trilha foi criada especialmente por Theo Zagrae e as fotos em estúdio foram clicadas pela fotógrafa Bruna Bento, com assistência do diretor de fotografia Gabriel Cicconi.

Somando no time, a lista deste ano também contou com a colaboração de três profissionais incríveis na curadoria de nomes: Lídia Thays, José Neto e Rita Romão. Joana Mendes foi nossa convidada especial do ano. Em 2019, ela esteve na lista com dois projetos ao mesmo tempo. Este ano, Joana se tornou presidente do Clube de Criação.

Você está criando um projeto por conta própria para mudar o mercado e iluminar um novo rumo na indústria da comunicação? Envie um e-mail contando sua história para andre@papelecaneta.org

André Chaves é de Aracaju (Sergipe) e idealizador do Papel & Caneta, coletivo sem fins lucrativos espalhado por 7 cidades do mundo que conecta profissionais da indústria criativa para trabalhar ao lado de ativistas em causas sociais e ambientais.

Com destaque em plataformas como Adweek, Vogue Japão, AdAge, PAPER, ELLE, Working Not Working, Campaign US, Cannes Lions e Afropunk, por dois anos consecutivos o Papel & Caneta foi o único coletivo na lista de ‘Ideias que estão o mudando o mundo’ da revista estadunidense Fast Company, ao lado de empresas como HP, Unicef, Nike, Microsoft e R/GA.

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